Escrever quinze anos depois a história iniciática do Centro de Terapia Familiar e Intervenção Sistémica de Ponta Delgada, significa para mim, o sucesso dum projecto que emergiu pouco tempo depois de ter tomado a decisão de vir trabalhar como Psicólogo Clínico para os Açores.

Lembro-me que foi na sequência de uma conversa que tive com Prof. Luiggi Onnis, no jantar do Congresso de Novembro de 1989 em Lisboa, organizado pela Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar (SPTF) “O homem e seus sistemas”. Acabara de decidir vir para os Açores, e talvez inconscientemente, penso agora, o medo ao desconhecido “meio atlântico”, determinado por mitos, lendas de corsários e desastres sísmicos, obrigou-me a aferrar-me a uma ideia salvadora, um pré-conceito, no dizer de Gianfranco Cecchin, que me ajudasse a lidar com os fantasmas do meu inconsciente, depositando a minha fé na necessidade de construir algo que fosse útil para mim e para as pessoas e famílias desta ilha que me acolheu. A vontade era imensa e a empresa que tinha pela frente uma incógnita. Foi ao calor desse desiderato e depois da conversa com Luiggi, que na altura ocupava um lugar de responsabilidade na formação europeia de psicoterapeutas familiares, que comecei a amadurecer a iniciativa. Luiggi Onnis disse-me que se não queria morrer como psicoterapeuta sistémico, teria que eu próprio, gerar um sistema de terapeutas orientados sistemicamente, não há nada mais triste que um sistémico solitário.

Na altura como agora estava interessado nas ideias de H.Maturana e F.Varela, especialmente em dois conceitos difíceis de assimilar, “Autopoiese” e “Acoplamento Estrutural”. Como se de um sistema vivo de terapeutas se tratasse, teria que gerar uma autopoise/auto-produção sem ter os componentes para tal?? Foi essa carência ou deficiência, o que me motivou e levou a “construir socialmente” um grupo de terapeutas socorrendo-me da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar (Prof. Daniel Sampaio, Dra. Helena Araújo, Dr. Almeida e Costa e Prof. José Gameiro.)

Do “acoplamento estrutural” aprendi que deveria “acoplar-me” ao meio cultural e geográfico onde estava inserido, e a uma realidade que tinha prescindido, até então, das benesses da função do terapeuta familiar sistémico. Decidi intuitivamente aliar-me aos pedidos indiretos de consulta familiar que iam surgindo no hospital. Encontrei junto do Centro Paroquial João XXIII recetividade e apoio logístico para apresentar uma candidatura ao Fundo Social da Comunidade Europeia, para financiar o Curso de formação. Fomos os dois, corria o ano de 1994, ano internacional da família, o Padre Ribeiro com quem acudi, fez toda uma defesa da necessidade de promover o apoio e cuidados à Família. Fomos recebidos pelo Secretário da Juventude da altura para apresentar a candidatura e obter o seu financiamento, e devo dizer, teve uma excecional acolhida.

Apresentei um programa curricular do curso a Direção da SPTF e deram a sua aprovação. Depois de abrir as inscrições a um grupo de alunos interessados na formação em Terapia Familiar e com um professorado de alto nível científico e prestígio nacional e internacional, organizei e coordenei, entre 1995 e o ano 2001, o primeiro curso de formação em Terapia Familiar e Intervenção Sistémica nos Açores.

Este curso permitiu que um grupo de profissionais, de diferentes especialidades e trabalhando em diferentes instituições regionais tivesse a possibilidade de formar-se numa visão sistémica e relacional dos problemas humanos. Deste conjunto de profissionais surgiu em 1998/1999 a primeira Associação de Terapeutas Familiares Sistémicos da Região Autónoma dos Açores, uma IPSS que passou a denominar-se Centro de Terapia Familiar e Intervenção Sistémica. Devo confessar que o apoio incondicional de alguns destes alunos foi determinante para a continuidade do projeto. Entre estes, a persistência e a excelente dedicação profissional do Nuno Ferreira que continua ainda com “as mãos na massa”.

A abertura do Primeiro Centro de Terapia Familiar e Intervenção Sistémica da Região (2000), apoiado mediante protocolo de cooperação pela Direção Regional da Segurança Social e o Instituto de Acção Social, permitiu a constituição de equipas multidisciplinares que realizariam trabalho direto com Famílias, com as Instituições e com a Comunidade, ao nível da prevenção, orientação e terapia familiar sistémica.

As equipas, que quinze anos depois, continuam a desenvolver o seu trabalho interventivo no Ctfis são fruto de aquele processo “autopoietico”, incubado e motivado em 1989 em Lisboa, e penso agora, que o fenómeno da “vitalidade terapêutica sistémica” já está perfeitamente acoplado na sociedade e cultura açoriana de inícios do seculo XXI.

Uma vez que a vida se nutre da vida para subsistir acredito que a vitalidade terapêutica sistémica se nutra da sua própria vitalidade para subsistir. A experiência acumulada durante este tempo, dentro de um espaço cultural favorável que a ajudou a crescer, assim o demonstram. Que seja por muitos e bons anos!

Ponta Delgada 25-07-2013

Carlos González Díez